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A impressão de que os ricos levam vantagem no sistema judiciário voltou a ser assunto depois dos habeas corpus obtidos recentemente pelo banqueiro Daniel Dantas no Supremo Tribunal Federal (STF). De fato, enquanto Dantas pode apelar à Corte máxima do país, as dificuldades de acesso ao Judiciário enfrentadas pelos mais pobres começam antes mesmo do início dos processos. As defensorias públicas só existem em 40% das comarcas brasileiras. Três estados — Paraná, Santa Catarina e Goiás — sequer criaram estruturas com defensores para representar os que não podem pagar por advogados. Mesmo a capital do país sofre com a falta de condições adequadas: a espera para ajuizar ações emergenciais no Distrito Federal pode chegar a quatro meses. “O direito ao defensor público foi assegurado pela Constituição de 1988. Vinte anos depois, ainda não virou realidade”, lamenta o presidente da Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), Fernando Calmon. Nas contas da entidade, o déficit na carreira seria suprido com a contratação de 6 mil profissionais. No DF, enquanto o quadro de promotores do Ministério Público conta com 356 cargos, a defensoria possui apenas 158 para atender a população local mais o Entorno. Pela lei, esse tipo de serviço pode ser requisitado por pessoas que ganham até quatro salários mínimos ou que comprovem insuficiência de recursos para pagar um advogado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 85% da população cumpre o requisito. Nas comarcas onde não existem defensorias públicas, o atendimento é feito por advogados que prestam serviço remunerado pelos governos locais. Nessa modalidade, conhecida como defensoria dativa, o risco é de o trabalho ganhar conotações assistencialistas ou políticas. “O direito de recorrer à Justiça acaba sendo administrado por grupos de políticos ou de advogados. A população precisa saber que a representação jurídica não é um favor prestado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) local ou pelo governo”, aponta Calmon. Prejuízo O serviço de um defensor público inclui a defesa em processos criminais e representação em ações cíveis, como investigação de paternidade, fixação de pensão alimentícia e cobrança de dívidas. Um prejuízo possível nos casos em que a assistência não é prestada pelo profissional de carreira é a falta de dedicação aos processos. Enquanto o defensor público trabalha exclusivamente para acompanhar as ações de interesse da população carente, o defensor dativa acumula outros clientes. Em Goiás, a lei que cria a estrutura de defensoria pública já completou três anos, mas o concurso para preencher as vagas ainda não foi realizado. “Nossa dificuldade são as restrições orçamentárias impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Sabemos da importância do assunto e pretendemos implantar a defensoria até o final do mandato do governador Alcides Rodrigues”, garante o procurador-geral do estado, Norival Santomé. Para suprir a carência de profissionais, o estado gasta cerca de R$ 400 mil por mês pagando honorários a advogados conveniados. No Paraná, a OAB faz pressão para que a defensoria pública estadual seja criada. “O governo está sendo omisso ao não cumprir a Constituição”, ataca o presidente da entidade, Alberto de Paula Machado. Segundo ele, pesquisa feita pela ordem nos presídios paranaenses revela que os detentos de menor potencial ofensivo são os que passam mais tempo na cadeia. Já aqueles ligados a organizações criminosas acabam saindo mais rápido. “É claro que isso tem a ver com a capacidade financeira deles. Com o fato de terem ou não dinheiro para contratar um advogado”, afirma Machado. Resistência Em Santa Catarina, diferentemente do entendimento que há nos demais estados, a OAB local não defende a criação de defensorias públicas — posição seguida pelo governo. O atendimento a população carente é feito por 5 mil advogados cadastrados no Tribunal de Justiça. “Nós damos menos despesa e não fazemos greve”, afirma o presidente da OAB-SC, Paulo Roberto de Borba. Segundo ele, a defensoria dativa de Santa Catarina representa considerável economia, já que não cria gastos com funcionários ou estruturas físicas. “O modelo daqui é que deveria ser copiado”, afirma Borba. Em resposta a essa posição, um grupo de advogados, professores universitários e estudantes criou um movimento para mobilizar a sociedade em torno da criação de defensorias públicas no estado. Eles realizam palestras informando às pessoas sobre o direito previsto na Constituição e recolhem assinaturas como forma de mostrar força ao governo. “Aqui não há vontade política. Falta interesse pela população mais pobre, mais oprimida e, por isso mesmo, mais necessitada”, lamenta Maria Aparecida Lucca Caoviller, coordenadora do curso de direito da Unichapecó e integrante do Movimento pela Defensoria Pública em Santa Catarina. O número 6 mil profissionais precisariam ser contratados para suprir o déficit de defensores no país
Veículo: Correio Braziliense
Veículo: Correio Braziliense
Fonte: ANADEP
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