sábado, 28 de fevereiro de 2009

Mídia e direito penal: em 2009, o "populismo penal" pode explodir, por Luiz Flávio Gomes

18:28 |

De todas as possíveis formas de instrumentalização do direito penal (ou seja: de seu uso indevido), duas, desde logo, merecem destaque: a política e a levada a cabo pelos meios de comunicação (instrumentalização "midiática").>> O uso desvirtuado do direito penal vem se acentuando a cada ano: certamente 2009 não será diferente. Com o aumento da violência, pode explodir o "populismo penal" do legislador. Tudo depende do comportamento da mídia, que retrata a violência como um "produto" de mercado. A criminalidade e a persecução penal, assim, não somente possuem valor para uso político (e, especialmente, para uso "do" político), senão que são também objetos de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação.>> São mercadorias da indústria cultural, gerando, para se falar de efeitos já notados, a banalização da violência e o conseqüente anestesiamento da população, que já não se estarrece com mais nada.>> Em inúmeros casos, o legislador, levado pela "urgência" e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a conjuntural ("reação emocional legislativa"), que tende a ser de natureza "penal", dependendo dos benefícios eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o direito penal como instrumento para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal.>> Vários são os exemplos do que acaba de ser narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18 de maio de 2008, p. C6, matéria assinada por Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:>> 1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina ? irmão de um parlamentar na época, etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais, etc.;>> 2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos. Veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo;>> 3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval, em Diadema (SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);>> 4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em 48 horas;>> 5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;>> 6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais em São Paulo. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);>> 7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;>> 8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");>> 9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri..>> O legislador brasileiro atua emergencialmente, mas sempre, claro, contra os "de baixo". Das 646 propostas legislativas apresentadas de 2003 a 2007, apenas duas versavam sobre o crime do colarinho branco. Todas as demais se relacionavam com a criminalidade das ruas, dos excluídos etc.>> O legislador vive sob o comando de uma "perene emergência" (Moccia). Basta um fato escandaloso e a pressão midiática para desencadear a marcha do "populismo punitivo". Não atua como um juiz, sim, como parte. Raramente se vê no Brasil uma verdadeira indenização em favor da vítima. O que o Poder Político oferece é o "conforto enganoso" de uma nova lei, que é feita com o cadáver ainda sobre a mesa. Claro que essa lei só pode seguir a lógica do linchamento.>> Em 2009, podem anotar: tudo o que o Congresso Nacional está esperando é a eclosão de mais um delito midiático. Se envolver um menor, embora eles sejam responsáveis no nosso país por apenas 1% dos crimes violentos, não há dúvida que os parlamentares vão aprovar a redução da maioridade penal (e vão "vender" isso como solução para o problema da criminalidade violenta do país).>> E a população vai se comportar (evidentemente) como aquela mulher, da clássica anedota, que (indigna e aberrantemente) gostava de apanhar. Bate que eu gosto!
Colaboração: Dra. Cláudia Camargo Barros, Defensora Pública

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