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Colegas, o final de semana se aprochega. Segue abaixo uma poesia "bem" gaúcha pra fazer costado na hora do mate. Gracias Waldemar!
A primeira diligência (Homenagem ao primeiro ato de um Oficial de Justiça na Comarca de Santo Ângelo)
Autor: Waldemar Menchik Júnior
Recém havia-se instalado
Em Santo Ângelo, a comarca;
Aconteceu um fato que marca
Nos meios jurídicos, a história,
Pois para fazer a trajetória
Da primeira diligência,
Convocado, foi, com urgência
Domingos, um ´Official´ de Justiça;
Daqueles que, sem preguiça,
Cumpre seu trabalho com decência.
No dia doze de outubro,
De mil e oitocentos e setenta e cinco,
Determinou-se que, com afinco,
Domingos cumprisse um mandado,
Intimando os herdeiros do legado
Do extinto Major Medeiros,
Que, com agir altaneiro,
E, em apenas alguns lustros,
Construíra a muito custo,
A imagem de estancieiro.
Domingos não conhecia
A tal Fazenda Triunfo,
Mas, trabalhar, era seu trunfo,
Não fugia do serviço;
E, talvez fosse por isso,
Que antes de romper o dia,
Com o chapéu tapeado, já ía
Para o rumo do rio Ijuí,
Não sem antes, beijar os guris
E a patroa, que bem lhe queria.
Os cavalos - companheiros
Um zaino, outro tostado;
Devidamente aperados
Para aquela diligência
E, como tinha experiência,
Não esqueceu de nada:
Levando charque, erva e uma ramada
De fumo, dos bem crioulos,
Que lhe serviria de consolo
Para o frio das madrugadas.
Nove léguas era a distância,
Entre a sede e o tal distrito
E, assim, Domingos, constrito
Chega à beira do rio Ijuí
Onde não dava vau, e ali,
Com a ajuda de um canoeiro,
Desencilha os cavalos, ligeiro,
E, na canoa, coloca os apetrechos,
Já que longo era o trecho...
Devia durar o dia inteiro.
Após essa primeira ´travessia´
Lembra que ´outras duas´ terá;
Resolve, então, o ´passo´ apressar
Já que o sol despontou forte
E isso, para quem se importe
Até mesmo com o ´cavalo-de-muda´
É relevante, pois, na vida se ajuda
A quem se propõe a ajudar aos outros,
Ainda que sejam meros potros
Ou gente da ´crina felpuda´.
Logo após, no ´Ijuizinho´:
Rio de águas barrentas -
Com seus cavalos adentra
E atravessa ao outro lado,
Mas, vendo o zaino cansado,
Reveza, montando o ´cavalo-de-tiro´:
O tostado, que dá um giro,
Rumando os olhos à ´pista´,
Deixando, ao lado, São João Batista
Parando, adiante, para dar um ´respiro´.
Depois de fumar um ´palheiro´
Domingos monta de novo,
Pois a parada é só um ´retovo´
Para prosseguir na jornada,
E, assim, sem dizer nada,
Dá de rédeas em seu cavalo
E, como se fosse, num estalo,
Vê, ao longe, um ´bolicho de campanha´
Onde se vendia de tudo, até canha,
Remédio, farinha e algum ´regalo´.
Aprochegando-se de tal comércio
Vê, chimarreando, o seu dono
Frederico, homem de rude entono
Que, ao lado de Dona Generosa,
Mulher buena e atenciosa
Fizeram daquela ´tenda´
Uma conhecida e ´velha venda´,
Central de abastecimento;
Da família Kruel, o ´sustento´,
E para a região, uma ´legenda´.
Em virtude da hospitalidade
Sequer o charque usou;
Disso, Ele não precisou,
Já que lauto almoço fez.
E, então, esse ´freguês´
Da ´velha venda´ de antanho,
Com uma ´ambrosia´ de ´acompanho´,
Resolveu dar uma sesteada,
Espichando-se na pelegada
Para as quais não era ´estranho´.
Acordou, molhou seu rosto
Encilhou o zaino e cabresteou o tostado
Rumando pelos costados
Da trilha que lá existia
Chegando ao ´Passo do Dias´
No pedregoso rio Piratini
Encontrando por ali
Outro canoeiro, amigo
Que, naqueles tempos antigos,
Era valioso como um ´rubi´.
E, quando a tarde caía
Com o sol indo-se embora
Domingos chega, e se escora,
Na cerca que circundava a casa
Vendo um galpão onde a brasa
De um campeiro fogo de chão
Alumiava, naquela ocasião,
A ´charla´ dos peões e do capataz
A quem gritou: ´Venho em paz;
Sou Oficial, a cumprir uma missão!
E o capataz, prontamente,
Determinou-lhe que apeasse;
E que, ao galpão se aprochegasse,
Para que ´melhor se explique´...
E, então, no rancho de ´pau-a-pique´,
Com um cansado semblante,
Disse, Domingos, no mesmo instante:
‘Eu venho lá da sede da comarca
Intimar Dona Damázia, a matriarca,
Pois ela foi nomeada, inventariante!’
É que seu esposo, o Major Medeiros
Faleceu, deixando herança
E nesses casos, a ´tardança´
Em abrir o tal de inventário
Pode tornar-se um calvário
Com multas e imposições
De forma, que uma das ´missões´
Que o cargo, hoje, me obriga
é intimá-la, para que ao Juiz, diga
que cumprirá suas obrigações!?’
Dito isso, um chimarrão lhe alcança,
O capataz, que logo se retira;
Vendo, Domingos, que Ele mira
Em direção da sede da Fazenda
E, sem tempo para que entenda
Os passos que Ele tomara,
De repente, se depara
Com uma imagem de muito brilho:
Uma senhora e seus sete filhos,
Cujos passos, aquela ampara.
Ao lado de Dona Damázia,
Seus sete filhos estão:
Herculano, José e João,
Constância e Maria Antônia,
Jacinta Maria e Maria Joana;
Ouvem, atentos, o que fala Domingos...
Que lhe desencilhem, os pingos!
Dona Damázia determina,
E, de pronto, a intimação assina;
Da ´pena´que usa, não cai respingo!
Na sede da Fazenda Triunfo,
Domingos, a convite, pernoitou;
Mas, nem bem o dia clareou,
Já estava, no galpão, a chimarrear
E, ensimesmado, a meditar...
Sobre a diligência que findara
Deduz, que ela, embora sendo rara,
Se perderia, nas brumas do esquecimento,
E, cabisbaixo, aparenta abatimento,
Que ninguém, porém, repara.
Pouco depois, vai embora,
Agradecendo a recepção;
Sentindo, na arca do coração,
O que sente quem cumpre seu dever,
Pois novas diligências vão haver
Nessa empreitada de ´meirinho´
Onde, de regra, se luta sozinho
Para, aos processos, ´dar vida´
Pois a cada tarefa cumprida
Constrói um pouco de ´seu caminho´.
É que ´nas diligências da vida´
Há sempre o dia seguinte
E não há quem, sendo ouvinte
Não escute, da natureza, a voz
Dizendo a cada um de nós:
‘Não é o ponto de partida
Nem o marco da chegada
Mas, sim, o que a ´estrada´
Nos propicia em seu leito
Aquilo que em nosso peito
De valoroso há de ficar!;
Por isso que o ´caminhar´
Ou a ´luta do dia-a-dia´
É o que de fato irradia
A alma, e nos faz sonhar´.
Por isso, caro Domingos,
Se do lugar onde deves estar
Lhe for possível escutar
O que estamos dizendo aqui:
Saibas, lembramos de Ti
Nesta terra do Indio Sepé
Onde, de cavalo ou a pé,
Iniciaste, com simplicidade
Nosso trabalho, É VERDADE,
CERTIFICO E HOJE DOU FÉ!
Observações: a) a poesia foi confeccionada em homenagem aos Oficiais de Justiça da Comarca de Santo Ângelo e do Estado do Rio Grande do Sul, a pedido do Oficial de Justiça Antônio César Pinto dos Santos, cujo nome foi dado à 1ª Cavalgada que rememora a primeira diligência; b) As informações históricas acerca dos locais, datas e nomes de pessoas, embora em boa parte conhecidos do autor, foram fornecidas pelo sr. Cézar Medeiros de Farias, sem o qual a poesia não teria sido elaborada.
Dados básicos: a primeira diligência da comarca de Santo Ângelo, foi realizada no dia 12 de outubro de 1875, da sede da comarca até a fazenda Triunfo, que hoje se localiza no município de São Miguel das Missões, distando cerca de 55km, ou pouco mais de 9 léguas.
Domingos, o ´Official de Justiça´ responsável pelo ato histórico, nessa diligência que levou um dia de ida e outro de volta, percorreu, com seus dois cavalos, o trajeto descrito na poesia, saindo de Santo Ângelo, passando pela atual sede do município de Entre-Ijuís, tendo almoçado no comércio da Família Kruel, que se localizava no atual distrito de Carajazinho, para, ao final do dia, chegar ao destino final, a Fazenda Triunfo.
As Famílias Medeiros de Farias (Família do Major Medeiros) e Vieira Marques (Família de D. Damázia) são originárias de Conceição do Arroio, atual Osório, e têm descendência açoriana; D. Damázia Vieira Marques Medeiros era filha de Justino Vieira Borba e Maria Marques Vieira; O falecido João Medeiros de Farias fora Major da guarda nacional, e falecera aos 58 anos de idade. Ele era filho de José Medeiros de Farias e Maria Rodrigues Viana.
Dona Damázia, que faleceu em 1898, quando da chegada de Domingos, estava em casa com seus filhos Herculano, José, João, Constância, Maria Antônia, Jacinta Maria e Maria Joana.
Domingos, foi o primeiro ´Official de Justiça´ da comarca de Santo Ângelo, e o resgate da diligência faz parte de um projeto de valorização histórica da ABOJERIS.
P.S. O autor da poesia, Waldemar Menchik Júnior, é Defensor Público na comarca de Santo Ângelo, há quase cinco anos, e participou das primeiras edições das Cavalgadas, como convidado. Vez por outra, no entremeio das lides jurídico-processuais, compõe algumas poesias, de cunho nativo.
Santo Ângelo, RS, capital das Missões, 12 de outubro de 2008.
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