18:37 |
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, através da decisão prolatada no Recurso Especial nº 493.342/RS [01], no sentido de que a Defensoria Pública Estadual, por ser entidade desprovida de personalidade jurídica, não pode recolher honorários sucumbenciais decorrentes de condenação contra a Fazenda Estadual, em causa patrocinada por Defensor Público.
O Ministro José Delgado, Relator do referido acórdão, consignou que "A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor."
Pois bem. O objetivo deste ensaio é trazer argumentos jurídicos para demonstrar que a tese sustentada em 2003 pelo eminente Ministro do STJ e até hoje encampada pela quase totalidade dos Tribunais locais, merece ser revista, diante na realidade atual vivenciada pela Defensoria Pública no Brasil.
Inicialmente, destacamos que a confusão, prevista nos artigos 1.049 do Código Civil de 1916 e 381 do Código atual, trata-se de instituto de natureza civil pelo qual se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor.
Seria, portanto, o Estado (ente político) credor dos honorários sucumbenciais recolhidos pela Defensoria Pública Estadual?
A Emenda Constitucional nº 45/04 concedeu à Defensoria Pública autonomia funcional, administrativa e financeira (iniciativa de elaboração de sua proposta orçamentária, prevendo a sua gestão financeira anual). Por via reflexa, a instituição deixou de ser um órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo. [02] O teor da Carta Magna não deixa margem para indagações:
"Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV)." (...) "§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º."
A destinação dos honorários recolhidos pela Defensoria varia conforme opção política expressa na Lei Complementar que rege a instituição, em cada um dos Estados membros. Em Minas Gerais, por exemplo, a LCE 65/03, que organiza a Defensoria Pública, prescreve o seguinte, em seu artigo 146:
"Os honorários de sucumbência devidos aos Defensores Públicos, quando no exercício de suas atribuições institucionais, serão partilhados igualitariamente entre os membros da Defensoria Pública em atividade."
No Estado do Mato Grosso do Sul, a verba honorária integra a receita da Defensoria Pública e é recolhida a um fundo próprio, consoante o disposto na LCE nº 111/05, em seus artigos 6º e 7º:
"Art. 6º Constituem receitas da Defensoria Pública do Estado: ............................................................................................................ II - os recursos provenientes do Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública do Estado;"
"Art. 7º Fica criado o Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e o Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública, destinado ao custeio de despesas relacionadas com a instalação e o funcionamento dos seus órgãos de atuação, com a aquisição de bens e suprimentos, construção e reforma de imóveis e contratação de serviços, bem como das despesas realizadas para o aprimoramento profissional e cultural dos membros da Defensoria Pública, de seus auxiliares e servidores, constituído das importâncias arrecadadas a título de honorários de sucumbência devidos à Defensoria Pública."
O Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – CEJUR/DPGE, criado pela Lei Estadual nº 1.146/87, é, por sua vez, custeado pelo Fundo Orçamentário Especial, cuja receita provém, dentre outras fontes, dos "honorários advocatícios que em qualquer processo judicial, pelo princípio da sucumbência, caibam à Defensoria Pública." (art. 3º, I).
O que desejamos demonstrar, por meio dos referidos exemplos, é que, existindo ou não um fundo estadual destinatário da verba honorária recolhida pela Defensoria Pública, inegável que a Fazenda Estadual não é credora destes valores. No caso de Minas Gerais, a questão é até mais simples: a lei é expressa ao declarar que os destinatários finais são os próprios Defensores Públicos. Nesse sentido, sustentar a ocorrência de confusão, na trilha do velho entendimento do STJ, é, antes de tudo, negar validade ao texto legal.
Esse foi o argumento da Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, em decisão proferida em 2008, entendeu que "A partir da vigência da Lei Complementar nº 65/2003 os honorários sucumbenciais relativos ao Defensor Público não são convertidos em renda para o Estado, razão pela qual são devidos pela fazenda Pública do Estado." [03]
O verdadeiro sentido de "autonomia" também deve ser invocado para rebater a vetusta tese pretoriana. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu recentemente decisão no sentido de que "A Defensoria Pública tem poderes para auto-organizar seus serviços, bem como capacidade para elaboração de orçamento próprio, com gestão e aplicação dos recursos que lhe são destinados." [04]
Autonomia administrativa e financeira pressupõe capacidade de autodeterminação de uma instituição, conforme suas próprias leis, livre de qualquer fator externo com influência subjugante. Há bastante tempo Maria Sylvia Zanella Di Pietro já ensinava que "autonomia, de autós (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política." [05]
Logo, se os Tribunais reconhecem a autonomia da Defensoria Pública, mas, simultaneamente, negam sua capacidade de gestão patrimonial, incorrem em grave contradição, redundando, conforme anteriormente sublinhado, em violação da norma jurídica que organiza a Instituição. Neste ponto, cabe ressaltar a colocação do eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Paulo Alfeu Puccinelli:
"Tenho que a confusão alegada entre o Estado e a Defensoria Pública não ocorre, a uma, porque a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, concedeu autonomia funcional à Defensoria Pública, ou seja, ela deixou de ser um órgão auxiliar do governo e se tornou um órgão constitucional independente, vale dizer, sem nenhuma subordinação ao Poder Executivo. Além do que, também recebeu autonomia administrativa e financeira. Assim, tenho que é perfeitamente possível o Estado de Mato Grosso do Sul ser condenado a pagar honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, não ocorrendo a mencionada confusão prevista no artigo 381 do Código Civil." [06]
Há, aparentemente, uma imprecisão terminológica: órgão é entidade despersonalizada, ninguém discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalidade jurídica. Impõe-se o reconhecimento de destinatários diversos de receitas: Estado membro e Defensoria Pública. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública pertence à Fazenda Estadual.
Em resumo: o entendimento do STJ trata duas situações idênticas de forma distinta. Se o devedor sucumbente for pessoa diversa do Estado, o credor dos honorários será a Defensoria Pública. Caso contrário, se o devedor for o Estado, o credor não mais será a Defensoria, mas o próprio ente político. O mais estranho é que poucas pessoas questionam o absurdo desse raciocínio e a maioria simplesmente o toma como verdade. Conclusões1) A aludida decisão do STJ, que serve como precedente para os demais Tribunais estaduais, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Portanto, sua aplicação:
1.1) viola o Princípio da legalidade, pois ignora os destinatários da verba honorária, expressamente referidos nas Leis Complementares de cada um dos Estados membros;
1.2) é contraditória, já que reconhece a autonomia da Defensoria Pública, porém rejeita sua capacidade de autodeterminação;
1.3) cria um privilégio injustificável para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro como credor dos honorários pagos à Defensoria Pública justamente quando o mesmo é sucumbente em causa patrocinada por Defensor Público;
2) A ausência de personalidade jurídica de uma entidade não elimina sua capacidade de gestão patrimonial autônoma, diversa daquela referente ao ente político. Como exemplo, citamos o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e da União;
3) A verba honorária constitui crédito de natureza alimentar, que se submete a uma ordem especial de pagamento de precatórios. [07] Assim sendo, não é possível que um ente político seja destinatário de uma verba de natureza alimentícia destinada expressamente, conforme a LCE 65/2003 de Minas Gerais, aos Defensores Públicos.
Notas 01 STJ, Resp nº 493.342/RS, Primeira Seção, Ministro Relator José Delgado, julgamento em 10.12.2003. 02 TJMS, Apelação Cível nº 2007.025343-7/0000-00, 3ª Turma Cível, Desembargador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007. 03 TJMG, Apelação cível, nº1. 0024.06.148112-3/001, julgamento em 17.04.2008. Nesse sentido, decidiu, no ano de 2002, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: "Com o advento da Lei Complementar Estadual n.º 94, de 26 de dezembro de 2001, os honorários advocatícios, nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública Estadual, serão fixados em prol do respectivo órgão e não mais em favor da Fazenda Pública Estadual." (Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2001.010484-9⁄0001.00, Primeira Turma Cível, rel. Desembargador Hildebrando Coelho Neto, j. 28⁄05⁄2002, DJ⁄MS – 11⁄06⁄2002). 04 TJRS, Apelação Cível nº 70022299911, julgamento em 10/04/2008. Interessante frisar que o TJRS, ao mesmo tempo em que sustenta tal posição, reconhece como correta a jurisprudência do STJ, por mim combatida. 05 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 350. 06 TJMS, Apelação Cível nº 2007.000596-0, 3ª Turma Cível, julgamento em 05.03.2007. 07 STF, SL-AgR nº 158/CE, Tribunal Pleno, Ministra Relatora Elle Gracie Northfleet, julgamento em 11.10.2007. STJ, REsp nº 647.283/SP, Ministro Relator José Delgado, Primeira Seção, julgamento em 14.05.2008.
Cirilo Augusto Vargas é defensor público do Estado de Minas Gerais
Veículo: Jus Navegandi
O Ministro José Delgado, Relator do referido acórdão, consignou que "A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor."
Pois bem. O objetivo deste ensaio é trazer argumentos jurídicos para demonstrar que a tese sustentada em 2003 pelo eminente Ministro do STJ e até hoje encampada pela quase totalidade dos Tribunais locais, merece ser revista, diante na realidade atual vivenciada pela Defensoria Pública no Brasil.
Inicialmente, destacamos que a confusão, prevista nos artigos 1.049 do Código Civil de 1916 e 381 do Código atual, trata-se de instituto de natureza civil pelo qual se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor.
Seria, portanto, o Estado (ente político) credor dos honorários sucumbenciais recolhidos pela Defensoria Pública Estadual?
A Emenda Constitucional nº 45/04 concedeu à Defensoria Pública autonomia funcional, administrativa e financeira (iniciativa de elaboração de sua proposta orçamentária, prevendo a sua gestão financeira anual). Por via reflexa, a instituição deixou de ser um órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo. [02] O teor da Carta Magna não deixa margem para indagações:
"Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV)." (...) "§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º."
A destinação dos honorários recolhidos pela Defensoria varia conforme opção política expressa na Lei Complementar que rege a instituição, em cada um dos Estados membros. Em Minas Gerais, por exemplo, a LCE 65/03, que organiza a Defensoria Pública, prescreve o seguinte, em seu artigo 146:
"Os honorários de sucumbência devidos aos Defensores Públicos, quando no exercício de suas atribuições institucionais, serão partilhados igualitariamente entre os membros da Defensoria Pública em atividade."
No Estado do Mato Grosso do Sul, a verba honorária integra a receita da Defensoria Pública e é recolhida a um fundo próprio, consoante o disposto na LCE nº 111/05, em seus artigos 6º e 7º:
"Art. 6º Constituem receitas da Defensoria Pública do Estado: ............................................................................................................ II - os recursos provenientes do Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública do Estado;"
"Art. 7º Fica criado o Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e o Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública, destinado ao custeio de despesas relacionadas com a instalação e o funcionamento dos seus órgãos de atuação, com a aquisição de bens e suprimentos, construção e reforma de imóveis e contratação de serviços, bem como das despesas realizadas para o aprimoramento profissional e cultural dos membros da Defensoria Pública, de seus auxiliares e servidores, constituído das importâncias arrecadadas a título de honorários de sucumbência devidos à Defensoria Pública."
O Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – CEJUR/DPGE, criado pela Lei Estadual nº 1.146/87, é, por sua vez, custeado pelo Fundo Orçamentário Especial, cuja receita provém, dentre outras fontes, dos "honorários advocatícios que em qualquer processo judicial, pelo princípio da sucumbência, caibam à Defensoria Pública." (art. 3º, I).
O que desejamos demonstrar, por meio dos referidos exemplos, é que, existindo ou não um fundo estadual destinatário da verba honorária recolhida pela Defensoria Pública, inegável que a Fazenda Estadual não é credora destes valores. No caso de Minas Gerais, a questão é até mais simples: a lei é expressa ao declarar que os destinatários finais são os próprios Defensores Públicos. Nesse sentido, sustentar a ocorrência de confusão, na trilha do velho entendimento do STJ, é, antes de tudo, negar validade ao texto legal.
Esse foi o argumento da Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, em decisão proferida em 2008, entendeu que "A partir da vigência da Lei Complementar nº 65/2003 os honorários sucumbenciais relativos ao Defensor Público não são convertidos em renda para o Estado, razão pela qual são devidos pela fazenda Pública do Estado." [03]
O verdadeiro sentido de "autonomia" também deve ser invocado para rebater a vetusta tese pretoriana. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu recentemente decisão no sentido de que "A Defensoria Pública tem poderes para auto-organizar seus serviços, bem como capacidade para elaboração de orçamento próprio, com gestão e aplicação dos recursos que lhe são destinados." [04]
Autonomia administrativa e financeira pressupõe capacidade de autodeterminação de uma instituição, conforme suas próprias leis, livre de qualquer fator externo com influência subjugante. Há bastante tempo Maria Sylvia Zanella Di Pietro já ensinava que "autonomia, de autós (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política." [05]
Logo, se os Tribunais reconhecem a autonomia da Defensoria Pública, mas, simultaneamente, negam sua capacidade de gestão patrimonial, incorrem em grave contradição, redundando, conforme anteriormente sublinhado, em violação da norma jurídica que organiza a Instituição. Neste ponto, cabe ressaltar a colocação do eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Paulo Alfeu Puccinelli:
"Tenho que a confusão alegada entre o Estado e a Defensoria Pública não ocorre, a uma, porque a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, concedeu autonomia funcional à Defensoria Pública, ou seja, ela deixou de ser um órgão auxiliar do governo e se tornou um órgão constitucional independente, vale dizer, sem nenhuma subordinação ao Poder Executivo. Além do que, também recebeu autonomia administrativa e financeira. Assim, tenho que é perfeitamente possível o Estado de Mato Grosso do Sul ser condenado a pagar honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, não ocorrendo a mencionada confusão prevista no artigo 381 do Código Civil." [06]
Há, aparentemente, uma imprecisão terminológica: órgão é entidade despersonalizada, ninguém discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalidade jurídica. Impõe-se o reconhecimento de destinatários diversos de receitas: Estado membro e Defensoria Pública. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública pertence à Fazenda Estadual.
Em resumo: o entendimento do STJ trata duas situações idênticas de forma distinta. Se o devedor sucumbente for pessoa diversa do Estado, o credor dos honorários será a Defensoria Pública. Caso contrário, se o devedor for o Estado, o credor não mais será a Defensoria, mas o próprio ente político. O mais estranho é que poucas pessoas questionam o absurdo desse raciocínio e a maioria simplesmente o toma como verdade. Conclusões1) A aludida decisão do STJ, que serve como precedente para os demais Tribunais estaduais, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Portanto, sua aplicação:
1.1) viola o Princípio da legalidade, pois ignora os destinatários da verba honorária, expressamente referidos nas Leis Complementares de cada um dos Estados membros;
1.2) é contraditória, já que reconhece a autonomia da Defensoria Pública, porém rejeita sua capacidade de autodeterminação;
1.3) cria um privilégio injustificável para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro como credor dos honorários pagos à Defensoria Pública justamente quando o mesmo é sucumbente em causa patrocinada por Defensor Público;
2) A ausência de personalidade jurídica de uma entidade não elimina sua capacidade de gestão patrimonial autônoma, diversa daquela referente ao ente político. Como exemplo, citamos o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e da União;
3) A verba honorária constitui crédito de natureza alimentar, que se submete a uma ordem especial de pagamento de precatórios. [07] Assim sendo, não é possível que um ente político seja destinatário de uma verba de natureza alimentícia destinada expressamente, conforme a LCE 65/2003 de Minas Gerais, aos Defensores Públicos.
Notas 01 STJ, Resp nº 493.342/RS, Primeira Seção, Ministro Relator José Delgado, julgamento em 10.12.2003. 02 TJMS, Apelação Cível nº 2007.025343-7/0000-00, 3ª Turma Cível, Desembargador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007. 03 TJMG, Apelação cível, nº1. 0024.06.148112-3/001, julgamento em 17.04.2008. Nesse sentido, decidiu, no ano de 2002, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: "Com o advento da Lei Complementar Estadual n.º 94, de 26 de dezembro de 2001, os honorários advocatícios, nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública Estadual, serão fixados em prol do respectivo órgão e não mais em favor da Fazenda Pública Estadual." (Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2001.010484-9⁄0001.00, Primeira Turma Cível, rel. Desembargador Hildebrando Coelho Neto, j. 28⁄05⁄2002, DJ⁄MS – 11⁄06⁄2002). 04 TJRS, Apelação Cível nº 70022299911, julgamento em 10/04/2008. Interessante frisar que o TJRS, ao mesmo tempo em que sustenta tal posição, reconhece como correta a jurisprudência do STJ, por mim combatida. 05 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 350. 06 TJMS, Apelação Cível nº 2007.000596-0, 3ª Turma Cível, julgamento em 05.03.2007. 07 STF, SL-AgR nº 158/CE, Tribunal Pleno, Ministra Relatora Elle Gracie Northfleet, julgamento em 11.10.2007. STJ, REsp nº 647.283/SP, Ministro Relator José Delgado, Primeira Seção, julgamento em 14.05.2008.
Cirilo Augusto Vargas é defensor público do Estado de Minas Gerais
Veículo: Jus Navegandi
Fonte: ANADEP
8 comentários:
Concordo plenamente com o autor. Até quando a Defensoria Pública vai ser tratada como mero apêndice do Executivo?
inacreditável que esse entendimento do STJ continue prevalecendo nos tribunais. A questão é de mínimo bom senso.
O Judiciário brasileiro é muito estúpido!
Parabéns ao autor pelo artigo! Objetivo e claríssimo. Acho importante que nós defensores usemos esses argumentos de maneira maciça para mudar essa triste realidade.
O Desembargador Puccinelli é uma das vozes mais ativas do TJMS. Espero que sua visão sobre a Defensoria Pública alcance outros julgadores...
Parabéns ao colega por mais esta contribuição. Vou sustentar estes argumentos sempre que puder.
concordo em gênero, número e grau
Como consigo o email do autor?
Postar um comentário